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Falta vocação ou doação?

Dom Pedro Brito Guimarães,
Arcebispo de Palmas (TO)

Todos nós sentimos na pele a drástica diminuição das vocações aos ministérios ordenados e à vida consagrada na Igreja no Brasil. Ainda não estamos à beira do limite do tolerável, como em outras partes do mundo, mas já ressentimos esta crise vocacional. Não dá mais para ignorá-la ou simplesmente relativizá-la. Somente a título de exemplo: existem hoje, catalogado, no Brasil, 5.568 seminaristas maiores, de Filosofia e de Teologia. E existem no Brasil, 5.570 municípios e 10.720 paróquias. Estatisticamente falando, temos um seminarista por município e metade de um seminarista por paróquia.

Precisamos reagir com uma pastoral vocacional capilar, inteligente, corajosa e cheia de amor, antes que seja tarde demais. “Onde há vida, fervor, paixão de levar Cristo aos outros, surgem vocações genuínas” (papa Francsico, Evangelli Gaudium, 107). A falta de ardor apostólico contagioso nem entusiasma e nem fascina ninguém.

Já dissemos e voltamos a repetir: o discurso vocacional na Igreja deve, em primeiro lugar, recuperar sua dimensão cristocêntrica. É a pessoa de Jesus Cristo que está no centro de interesse de todo e qualquer anúncio vocacional. Em momentos de crise e de incompreensão da pessoa e do ministério do presbítero, é decisivo um olhar atento para a vocação de Jesus. Antes de falarmos de ministérios ordenados, devemos entender que a própria existência cristã é vocação de Cristo e para Cristo. Jesus é, por excelência, o vocacionado do Pai. Toda vida é vocação. E todos nós somos vocacionados. O anúncio vocacional é, antes de tudo, um problema de proposta do cristianismo, proposta esta que seja capaz de afirmar a plenitude do mistério de Jesus Cristo e de proclamar que somente Ele é capaz de responder as grandes interrogações dos corações das pessoas e da história da humanidade. Esta paixão, este encantamento e este fascínio por Jesus Cristo devem contagiar todas as pessoas, de modo particular, os jovens. É este o cristocentrismo vocacional que deve ser redescoberto e proposto com decisão.

Jesus foi o primeiro a rezar pelas vocações, ao ensinar a mais perfeita e a mais eficaz oração vocacional: “a messe é grande, mas os trabalhadores são poucos! Pedi, pois, ao Senhor da messe que envie operários para a sua messe” (Mt 9,37-38; Lc 10,2). Jesus assumiu, como causa sua, a questão vocacional. E em Jesus, aquilo que é assumido é redimido. E o Pai, a quem esta oração é dirigida, já ouviu e atendeu esta oração saída da boca e do coração do seu Filho.

Costumamos explicar a crise vocacional pela qual passa a Igreja, por diversos motivos, sobretudo, dois especificamente: primeiro, a diminuição do número de filhos por família; segundo, as muitas opções vocacionais que os jovens tem hoje, empurrando para o último lugar a opção para os ministérios ordenados e a vida consagrada. Estes dois motivos elencados, explicam, mas não justificam a crise vocacional. São de fato dois motivos reais, mas teologicamente poucos sustentáveis. A provocação que fazemos, em cima destes dados, é a seguinte: em tal situação é que devemos ser mais generosos e mais proativos e não nos prevalecermos disto para justificar-nos. A Deus devemos dar não o excedente. A Deus devemos dar as primícias do pouco ou do muito que temos. Caso contrário, como ficaria a proposta de Puebla de “dar de nossa pobreza?” (nº 368). Muitas vezes a ação vitoriosa da graça de Deus não se manifesta em nossa vida e na vida da Igreja por falta de generosidade do nosso coração.

A lógica do Reino é a lógica do grão de mostarda, a menor de todas as sementes que, caindo na terra, se torna uma árvore frondosa na qual os pássaros se abrigam e fazem seus ninhos (Lc 13,19). Se só pudéssemos oferecer a Deus de nossa riqueza, Abraão não teria deixado a sua terra e os seus (Gn 12,1ss) e quase sacrificado Isaac, seu filho (Gn 22, 1ss); Ana não teria dado a Deus seu filho, Samuel, gerado das suas lágrimas (1Sm 1,28); a viúva de Sarepta não teria dado de comer ao profeta Elias do punhado de farinha que havia na tigela de a gota de azeite que havia na jarra (1Re 17,12); Pedro, André, Tiago e João não teriam levado as redes para a margem, deixado tudo, e seguido a Jesus (Lc 5,11); a pobre viúva no Templo de Jerusalém não teria depositado as duas pequenas moedas no Tesouro, tudo o que tinha e o que possuía para viver (Mc 12,42-44). Estes e tantos outros amigos e amigas de Deus, não foram mesquinhos na hora de partilhar e doar, sem reservas e sem temor. Deram de sua pobreza e experimentaram o quanto Deus agracia um coração generoso.

Deus não deixa faltar nada para aquele ou aquela que está disposto a repartir. Se fosse assim, Jesus não teria se servido de cinco pães e de dois peixes para alimentar uma multidão faminta no deserto (Mc 6,30ss). Ele, sendo rico, se fez pobre para enriquecer a todos com a sua pobreza (2Cor 8,9). Diferentemente do homem rico, que foi embora triste porque tinha muitos bens (Lc 18,18ss).

Portanto, o discurso vocacional não é somente questão de quantidade material, é questão de qualidade de vida cristã. É isto o disse recentemente o papa Francisco: “descobrimos outra profunda lei da realidade: a vida se alcança e amadurece à medida que é entregue para dar vida aos outros” (Evangelli Gaudium, 10). E ainda mais: “a vocação é um fruto que amadurece no terreno bem cultivado do amor uns aos outros que se faz serviço recíproco, no contexto duma vida eclesial autêntica. Nenhuma vocação nasce por si, nem vive para si. A vocação brota do coração de Deus e germina na terra boa do povo fiel, na experiência do amor fraterno (…) E a colheita será grande, proporcional à graça que tivermos sabido, com docilidade, acolher em nós” (Mensagem para o 51º Dia Mundial de Oração pelas Vocações 2014). Então, o que está faltando não é somente vocação e sim doação.

Fonte:
http://www.cnbb.org.br/artigos-dos-bispos-1/dom-pedro-brito-guimaraes-1/13755-falta-vocacao-ou-vocacao